"Nação Valente" foi fotografado por Vasco Viana aip e realizado por Carlos Conceição.
Por ocasião das nomeações para Melhor Direção de Fotografia dos Prémios Sophia da Academia Portuguesa de Cinema republicamos a entrevista conduzida pelo Tony Costa a Vasco Viana aip sobre o filme "Nação Valente".
Tony Costa: O que te levou a decidir por aquele estilo fotográfico? Era aquele que melhor se aproximava do imaginário do realizador?
Vasco Viana: Trabalho com o Carlos há muitos anos. Juntos fizemos várias curtas e, por isso, fazia sentido continuar algumas coisas que já tínhamos ensaiado nessas outras aventuras.
A curta "Coelho Mau" foi um bom ponto de partida: nessa curta, finalmente tivemos um orçamento que nos permitiu ter tempo e recursos para construir imagens mais trabalhadas e estilizadas, bem como citar outros cinemas e definitivamente ultrapassar a luz estritamente motivada e naturalista. Foi dessa experiência, mais liberta de constrangimentos, que partimos para definir o que fazer com a fotografia do Nação Valente.
Nos filmes do Carlos, há claramente uma vontade de trabalhar à margem do naturalismo: desde a direcção de arte até à forma como é trabalhada a duração dos planos e a própria mise-en-scène. A maneira como o Carlos concretiza os seus guiões, abre bastante o leque de abordagens possíveis na direcção de fotografia.
Neste filme em particular houve uma intenção de reforçar o lado alegórico e simbólico de forma subtil.
Na verdade tive um primeiro instinto de querer trabalhar de forma mais arriscada - usando câmaras mais sensíveis à luz (à semelhança do que já tínhamos feito no "Fio de Baba Escarlate") ou abrindo a paleta de cor (tendo como possível referência Dario Argento e o Giallo italiano) - mas acabei por optar por um desenho de luz mais discreto que não corresse o risco de datar o filme, e sobretudo não roubar o protagonismo ao trabalho de câmara e à mise-en-scène do Carlos.
Dei alguns passos atrás e ancorei-me num classicismo re-interpretado com perfumaria (como diria o Xein, o meu estimado chefe electricista). Um bom exemplo deste classicismo re-interpretado são os exteriores noite iluminados pela lua (ou a ideia dela), em que mantenho um desenho de luz bastante clássico mas fujo ao referencial quando troco a recorrente lua super azul dos anos oitenta por uma lua esverdeada e mortiça.
Muito devo ao excelente trabalho do Marco Amaral (colorista) que entre outras coisas conseguiu afinar essa “lua morta”.
Outra das técnicas que trouxe do "Coelho Mau" foi trabalhar a luz dura recortada por folhagens ou elementos arquitectónicos, de forma a conseguir que os fundos ganhassem um carácter mais gráfico. Essa procura de momentos gráficos também está ligado a um aspecto da minha relação com o Carlos, que não é só um cinéfilo enciclopédico e colecionista mas também um consumidor voraz de todo o tipo de livros, fotografias, cartazes, capas de álbuns obscuras, etc. Ir a casa dele implica ficarmos a conhecer a mais recente fotobiografia do Bowie ou a última edição da Criterion, com aqueles booklets apetitosos. Por isso, quando começamos a trabalhar num projecto novo, para mim é inevitável tentar direcionar a minha contribuição para desenhos de luz que consigam potenciar o carácter icónico e referencial das ideias do Carlos. A luz recortada, no contexto do meu trabalho com ele, tem ainda um outro encanto peculiar porque ela envolve os corpos, percorrendo-os, rimando com da relação tátil que sinto que o Carlos estabelece com os atores ao coreografar os seus planos sequência.
Frame do "Coelho Mau"
Frames do Nação Valente
TC: Nota-se que muitos planos com os seres estranhos seguem o género. Terias outra possibilidade sem ter que recorrer ao contraluz e a fumo?
VV: Certamente poderíamos ter feito estas noites de outra maneira. Podíamos ter jogado, por exemplo, com uma luz mais lateral e ténue com menos "traço" mas o Carlos lançou-me o desafio de evocar alguns códigos visuais provenientes dos filmes de género de terror. Para isso, encontrámos inspiração no Tourneur, no Onibaba e em algumas coisas dos anos oitenta. Em parte dos exteriores-noite, junto ao quartel, procurei também evocar uma atmosfera quase de estúdio, assumindo alguns fundos completamente escuros e uma luz que só ilumina dentro de alguns limites físicos óbvios.
TC: Filmaste em Angola uma grande parte ou só alguma pequena parte?
VV: Filmamos a introdução em Angola, à volta do Lubango, numa semana e meia. O resto da rodagem foi no Campo de Tiro de Alcochete, que só esteve disponível durante um mês - o que se traduziu em quatro semanas e meia, seis dias por semana - foi uma grande tareia para todxs e a toda a equipa ficarei eternamente grato por este esforço titânico.
TC: Há constantes movimentos de câmara como foram feitos, o que que é usaste?
VV: Este filme na cabeça do Carlos sempre foi pensado para usarmos muito a Pantera, mas em Angola não havia nenhuma disponível por isso chamamos o incrível Manu (operador de Gimble) que é um mestre da suavidade e rigor no enquadramento. Essa qualidade que ele trouxe, fez com que a diferença entre os movimentos de ambas as fases fosse muito subtil - coisa que era fundamental para o twist.
Em Portugal, contamos com um chefe maquinista fora de série: o enorme Carlos Santos com o José Loureiro a assistir, com ele consegui fazer travellings de acompanhamento sem ter que corrigir panorâmica - é esse o nível de precisão e conexão que tem com os actores! No fim da rodagem em Portugal disse-me que foi o filme em que fez mais metragem de calhas da sua carreira - que começa em 1987!!
TC: Que câmara usaste e que objetivas. De que empresa?
VV: Usei uma Alexa Mini com as Cooke s4 - Em portugal alugamos tudo na Planar. Quando fomos para Angola levamos as S4 e alugamos o corpo à geração 80.
TC: Qual foi a tua equipa de imagem, eletricidade e maquinaria?
VV: 1º Assistente de imagem Vasco Saltão, 2º Assistente de imagem Helena Marina, Video assist Carolina Abreu, 1º Assistente de imagem Angola Selma Lopes, 2º Assistente de imagem Angola Kamy Lara.
Chefe Electricista Luiz Paulo Rodriguez (Xein), Assistente Electricista Ivo Mendes, Assistente Electricista Inês Alegre, Assistente Electricista Pedro Teixeira.
Chefe Maquinista Carlos Santos, Assistente Maquinista José Loureiro
TC: Explica como iluminaste a floresta à noite. Está muito bem conseguido.
VV: Muito obrigado! Não teria conseguido chegar a bom porto sem o meu grande amigo e talentoso chefe electricista Luiz Paulo Rodriguez (Xein). A paixão e a dedicação que o Xein tem pelo seu trabalho contribuiu em muito para conseguir chegar aos desenhos de luz mais ambiciosos que imaginei e planeei. Essa qualidade que ele trouxe, fez com que a diferença entre os movimentos de ambas as fases fosse muito subtil - coisa que era fundamental para o twist.
Neste filme apostei em aperfeiçoar a forma de comunicar as minhas intenções quer com o Carlos, quer com o Xein (chefe electricista), experimentei desenhos, aguarelas virtuais no Ipad e até renders de 3D para testar e reflectir de uma forma mais concreta sobre o que tinha idealizado.
Entrevista por Tony Costa
Associação de Imagem cinema-televisão Portuguesa
Fundada em 2 de junho de 1998
Pela Arte e Técnica Cinematográfica
Telef.: +351 911 993 456