A série O Americano, com estreia dia 2 de Dezembro, na RTP 1, tem como realizador Ivo M. Ferreira, e produção da APM (Actions Per Minute), de Ana Pinhão Moura.
Gostava de começar por falar um pouco daquele que é, sempre, o elemento aglutinador de qualquer trabalho na nossa área profissional - a Produção. Seja uma curta-metragem, uma longa, um documentário...
A Ana Pinhão estabeleceu um desenho de produção que nos deu conforto e meios
indispensáveis para a nossa rodagem. Esse conforto vem, obviamente, de uma capacidade de adaptação a vários factores. Faço por salientar o que, creio ser o mais importante: a forma como o Realizador encarou este trabalho / desafio, e ainda, a forma como a Produtora o entendeu, e consequentemente nos proporcionou todas as possibilidades na execução desejada. Não posso deixar de incluir a Showreel como parte activa nesta postura e entendimento. Pois foi a incansável Vera Maurício, como sempre, que conseguiu tornar possíveis os planos que eu e o Ivo imaginávamos. (Até me convocou para discutir determinadas cenas mais sensíveis da série, em termos de material).
Sim… “Nunca há dinheiro que chegue”. Sim… “Há sempre falta de mais dois projectores”. Sim… “Era essencial ter mais duas pessoas integradas na equipa em determinada cena”.
Tudo isto já o sentimos variadíssimas vezes, e por isso mesmo sempre vi o nosso trabalho como um constante moldar às circunstâncias reais de Produção, sem comprometer os desejos criativos do Realizador e da Fotografia, sonhados para cada projecto que se executa.
Sabiamente, o Ivo conceptualizou esta série como um filme, uma longa-metragem, e não como uma "série típica"; como sabem, acontece muitas vezes, trabalharmos a correr, na tentativa de cumprir uma cena ou um dia de rodagem, e daí, entramos numa "vertigem de cumprir", e não numa “vertigem criativa", onde a equipa é convocada na sua totalidade para a ideia da construção do plano.
Por isso, aqui não se gravou, mas sim criaram-se planos, modos de fabrico, que nos chegam do Cinema que, tanto eu, o Ivo, e a Ana muito amamos e respeitamos, e no qual a maioria da equipa ao nosso lado ainda se revê.
Ou seja, este mote de Criar prevaleceu sempre, em detrimento da cobertura frenética e exaustiva de material, recorrendo a duas câmaras num dispositivo pastiche do campo / contra-campo que aqui não teve lugar...
Todos estes factores eliminaram os medos que me visitavam antes do início de rodagem: "teremos tempo para?....".
Acreditem, não senti grande diferença entre estar a fazer O Americano, ou uma longa-metragem. Os tempos de fazer luz foram sempre muito idênticos, e isto deve-se ao facto de estarmos a fazer Cinema, sem ficarmos reduzidos à ideia de uma série. Não deixo de reforçar aqui a abordagem do Ivo Ferreira, e o perfeito entendimento deste desejo pela Ana Pinhão.
As duas câmaras, para mim e para o Ivo, seriam o cair num adormecimento muito fácil. Na verdade, muitas vezes são um condicionamento terrível (ao contrário do que muitas vezes se pensa). Claro que em algumas cenas existem duas câmaras, mas acredito que tirando uma ou outra situação, este dispositivo não é identificável.
Integramos sempre no dramatismo da cena e na mise-en-scène dos actores a maquinaria como forma de unidade criativa, ao lado da luz, concebendo por vezes elipses em continuidade nos planos. Por exemplo, uma cena que começa de noite, e em continuidade, através da alteração de luz e direção de actores o dia nasce.
Este plano surgiu em plateau com o Ivo a falar-me em tiras de BD, na liberdade cromática da Banda Desenhada, e no ritmo que as janelas do décor poderiam criar, tendo essa inspiração.
Entre todos, criámos o plano. Aqui não me bastou a cor em cada "quadradinho". Esta levou me a criar as sombras sucessivas em cada janela (quadrado BD), e dentro de cada cor, a sombra, e dentro de cada sombra poder haver leitura nas caras e corpos dos actores, no interior da divisão entre cada janela, que era filmada do lado exterior (ver imagens).
Poder-vos-ia falar de várias cenas d’O Americano, de conquistas, de meias conquistas, e uma ou outra frustração, que é sempre inevitável existir quando filmamos.
Mas este plano vai sempre significar, para mim, uma das mais belas memórias desta série. Daí partilhá-lo com vocês. Não falo de execução técnica ou beleza estética, mas sim de uma Beleza Maior, que consiste no trabalho em Cinema… Uma ideia gera outra, e outra, e outra a seguir, que é uma Ideia Maior! Esta Ideia Maior é sempre o resultado do Plano onde Todos, mas Todos, somos convocados para a sua criação e respectiva execução. Porque no fim de tudo, de Cinema se trata.
Nota: por termos vivido todos juntos Cinema, agradeço-vos: Ivo, Ana, Margarida, João P.,
Madalena, André, Vanessa, Carolina, Filipe, Lois, Lopo, Simão, Ricardo, Helena, Dani, Rui, Pedro E., Ana S., Ana P., Tiago R., Badalo, Henrique, Paula, Kid, Lucha, Mariana, Nani, Filipe, Dray, Manel, Pedrasa, Makikas, João S., Rosa, Jorge S., Pedro L., Arial, João E., Jani, Isac, Adriano, Vera Moura, Ivo C., João P.M., Carloto, Tiago A., Micael, Rita L., Vera M., Showreel, … E todos aqueles que, por mero lapso, não menciono.
Gostaria, por fim, salientar o inesquecível João Gaspar, para quem o Cinema sempre foi uma aventura maior, e pelo qual sempre tudo deu em todos os planos em que estava implicado.
Um eterno obrigado, um eterno Adeus de todos nós.
João Ribeiro aip
1
Em cima à esquerda vemos dois stills do plano anterior à sequência que descrevo.
Podem ver que a sequência começa com uma imagem "neutra", dos nossos personagens (terceiro still em cima à direita).
Depois percorrem o espaço, as janelas / "quadrados", como que fazendo uma espécie de vinheta de BD. Cores, Sombras, Visão dentro das Sombras; Traveling, ritmo criado por todos estes factores.
2
O travelling lateral segue os personagens, eles saem de campo, a câmara aproxima-se do vidro, para os descobrirmos.
3
Começamos por ver os pés. A câmara descreve uma panorâmica até ao rosto do Americano e Felicidade. É por isso durante esta panorâmica que o dia nasce sobre os corpos, e não sobre o espaço. Para os corpos terem mais protagonismo que o espaço neste momento, durante o trav de aproximação ao vidro, há um zoom in.
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